Monday, November 24, 2008

Leitura de uma Onda...



Encontro-me na praia, de pé, e observo uma onda.
Não posso dizer que estou absorto na contemplação das ondas. Não estou absorto, porque sei muito bem aquilo que faço: pretendo observar uma onda e observo-a.
Não estou contemplando, porque para a contemplação é necessário um temperamento adequado, um estado de espírito adequado e um conjunto de circunstâncias externas adequadas: e apesar de eu não ter qualquer questão de princípio contra a contemplação, nenhuma das três condições se verificam no meu caso.
Não são ondas que eu pretendo observar, mas uma única onda e basta: querendo evitar as sensações vagas, estabeleço para cada um dos meus actos um objectivo limitado e bem definido.
Vejo despontar uma onda lá ao longe, vejo-a crescer, aproximar-se, mudar de forma e de cor, enrolar-se sobre si própria, quebrar-se, desvanecer, refluir.
Mas isolar uma onda, separando-a da onda que imediatamente se lhe segue e que parece empurrá-la, e que por vezes a alcança e a arrasta consigo, é muito difícil; assim como separá-la da onda que a precede e que parece arrastá-la atrás de si em direcçao à costa, salvo quando depois eventualmente, se volta contra ela, como que para a deter.
Não se pode observar uma onda sem ter em conta os aspectos complexos que concorrem para a sua formação e aqueles outros, igualmente complexos, a que essa mesma onda dá lugar.
Estes aspectos variam continuamente, pelo que uma onda é sempre diferente de uma outra onda; mas também é verdadeque cada onda é igual a uma outra onda, mesmo que não seja aquela que lhe é imediatamente contígua ou sucessiva; em resumo, existem formas e sequências que se repetem, ainda que irregularmente distribuídas no espaço e no tempo.
Aquilo que pretendo apenas é simplesmente ver uma onda, ou seja colher todas as componentes sem descurar nenhuma delas, até poder registrar aspectos ainda não recolhidos anteriormente; assim que me aperceber de que as imagens se repetem, saberei que vi tudo o que queria ver e poderei parar.